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Entre o excesso e o essencial: qual é o lugar da atividade física na rotina do seu filho(a)?

  • Foto do escritor: Patricia Paolini
    Patricia Paolini
  • 2 de nov.
  • 4 min de leitura

Nos últimos anos, o ritmo da infância mudou. As agendas das crianças e adolescentes estão cada vez mais cheias, e entre um compromisso e outro, aquilo que deveria ser estimulante e prazeroso muitas vezes se transforma em cansaço, irritação e sobrecarga emocional.

É compreensível. Pais e mães fazem isso com as melhores intenções, querem garantir oportunidades, desenvolver habilidades e cuidar do bem-estar dos filhos.

Mas a verdade é que a infância precisa de pausas, e o excesso de atividades pode estar roubando o que há de mais valioso no processo de desenvolvimento de uma criança: a curiosidade, a leveza e o prazer em aprender.

Estudos da American Academy of Pediatrics (2022) mostram que crianças com excesso de compromissos tendem a apresentar cansaço mental, irritabilidade e queda de rendimento escolar. E isso se agrava quando o equilíbrio entre escola, esporte e descanso se perde.

O esporte é, sem dúvida, uma das experiências mais ricas da infância. Ele fortalece o corpo, amplia a percepção de limites, estimula a disciplina, a cooperação e a persistência. Quando bem dosado, o movimento físico é um aliado poderoso do desenvolvimento cognitivo e emocional, pois melhora a concentração, regula o humor e favorece o aprendizado.

Mas o que temos observado, cada vez mais, é um desequilíbrio silencioso: os treinos, as competições e as rotinas esportivas têm ocupado espaços que também deveriam pertencer ao brincar, ao descanso, à convivência social e ao desenvolvimento de outras habilidades e talentos.

O resultado desse desequilíbrio são crianças esgotadas, sem energia e com baixa tolerância à frustração, porque vivem em um estado constante de exaustão física, exigência e autocobrança.

No Espaço Experimente, valorizamos e incentivamos a prática constante de atividade física. Mas acreditamos que o esporte deve ser parte da rotina infantil, e não o centro dela.

Há uma grande diferença entre praticar uma atividade física — como brincar, participar das aulas de educação física, andar de bicicleta ou passar o dia na piscina — e viver uma rotina diária de treinos de alta performance, marcada por cobranças, metas e expectativas adultas.

A infância não é o tempo da performance, mas da descoberta, da curiosidade e da experimentação. É o momento de ampliar repertórios, experimentar linguagens e desenvolver habilidades e talentos em todas as áreas — cognitivas, motoras, sociais e emocionais — construindo um repertório sólido que sustentará o futuro da criança.

Entretanto, temos visto um movimento preocupante: famílias que, com as melhores intenções, acabam transformando a orientação /indicação médica de “incluir atividade física na rotina” em uma corrida de excessos. Há crianças matriculadas em quatro ou cinco esportes diferentes, com semanas tão cheias quanto as de um adulto.

O que nasce como cuidado se transforma, sem perceber, em pressão e exaustão — e, depois de alguns meses, a criança simplesmente abandona tudo.

As habilidades que desejamos ver nos nossos filhos no futuro — responsabilidade, empatia, persistência, criatividade e autonomia — precisam ser treinadas agora, nas experiências simples e cotidianas.

É natural que muitos meninos sonhem em ser jogadores de futebol. Segundo pesquisas, 9 em cada 10 têm esse desejo em algum momento da infância. E isso é válido, porque sonhar faz parte do crescimento e da construção de identidade. Mas é papel da família ajudar a ampliar o olhar sobre o futuro, conversando desde cedo sobre o papel da escola, da leitura, do estudo e das diversas formas de talento. Nem todo sonho precisa ser interrompido, mas todo sonho precisa ser sustentado por base, repertório, preparo e talento.

O reflexo desse desequilíbrio já aparece também nos ambientes esportivos: campeonatos sendo realizados de portões fechados porque os próprios pais brigam nas arquibancadas, pressionam treinadores e cobram desempenho dos filhos.

Aqueles que deveriam ser exemplo de equilíbrio e referência emocional acabam, sem perceber, ensinando o oposto. É fundamental que as famílias compreendam e respeitem as demandas reais de seus filhos.

Por isso, vale refletir:

ü  Qual é a função do esporte na vida do seu filho(a)?

ü  Há espaço para o descanso e o brincar livre?

ü  A rotina atual permite que ele(a) desenvolva outras atividades?

Frequentemente escuto dos pais: “Meu filho não gosta de ler.” E sempre respondo isso com uma pergunta: que lugar a leitura ocupa na rotina da sua família? Ela aparece como um momento de prazer e vínculo, ou apenas como tarefa e obrigação?

A infância precisa de movimento, sim. Mas também necessita de pausa, de ócio criativo, de convivência e de tempo para observar o mundo.

 

A mente infantil se desenvolve quando há variedade de experiências e equilíbrio entre estímulo e descanso. Sem isso, o aprendizado se torna superficial, e a criança perde o prazer de aprender.

Somos a favor do esporte, da arte, da leitura e do brincar. Mas somos contrários aos excessos que roubam da infância o direito de experimentar e se desenvolver com leveza.

A infância não é uma corrida, é um laboratório de vivências. E cabe à família garantir que esse processo aconteça com presença, equilíbrio e propósito.

O verdadeiro benefício do esporte acontece quando há tempo para aprender, descansar, brincar e pensar, permitindo que corpo e mente se desenvolvam juntos e em harmonia.

A neurociência confirma que o cérebro aprende melhor quando há equilíbrio entre estímulo e pausa, períodos de atenção intercalados com descanso, lazer e sono de qualidade (Medina, Brain Rules for Baby, 2020). Sem tempo para reorganizar as informações, o aprendizado se torna superficial e a motivação desaparece.

É aqui que entra o monitoramento familiar, não como cobrança, mas como vínculo.Acompanhar o que seu filho(a) aprende, observar como reage aos desafios e ajudá-lo a perceber o próprio progresso são formas poderosas de desenvolver autonomia, autorregulação e prazer pelo aprender (Vygotsky, 1978; Deci & Ryan, 2000).

No Espaço Experimente, acreditamos que o equilíbrio é o verdadeiro motor do progresso.Monitorar é estar presente, fazer escolhas conscientes e garantir que aprendizado, corpo e emoção caminhem juntos.

O maior presente que uma família pode dar a um filho(a) não é a promessa de vitória, e sim a certeza de que ele(a) estará preparado para qualquer caminho que escolher seguir.

 

 

                                                                                                                Patrícia Braga

Pedagogo e Psicopedagoga

                                             

 
 
 

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